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domingo, 14 de dezembro de 2008

o grotesco e o sublime: "sou feia mas tô na moda"

Consegui, enfin, ver esse filme. Trabalharam muito bem a importância do funk como instrumento de catarse popular. Lembraram que, antes do funk, a tevê enfiava goela abaixo desses cariocas as danças obscenas importadas da Bahia, como status quo. E o funk nada mais é que o vômito de uma sociedade que consome muito mais deformações do que qualidade de vida, e não é por opção. 
Antes, já brincava com uns amigos dizendo que o funk é a canção de escárnio da Idade Média revivida, mas não me davam muita bola. Agora acredito. 
Veio-me à mente um trabalhinho que havia feito há alguns anos, para implicar com uma professora de filologia rasa, cheia de preconceitos. Fiz questão de apresentar um trabalho pomposo sobre o feio. Ah, se soubesse, naquela época, teria feito o trabalho sobre o funk...

[...] A palavra grotesco provém do italiano grottesco, formado a partir da palavra grotta com a adição do sufixo formador de adjetivo –esco (como em arabesco, burlesco, carnavalesco). Grotte é a palavra italiana para gruta. É interessante saber que gruta, por sua vez, provém do vocábulo latino crypta, do grego krypté: lugar oculto. Uma simples análise fonológica, amparada pela lingüística diacrônica, nos faz compreender que houve uma sonorização do fone /k/ de crypta para /g/ e o /y/, lido por neolatinos como italianos e portugueses passou a /u/. Se parássemos a pesquisa por aí, não conseguiríamos explicar o sentido de grotesco a não ser por analogias, pois sendo gruta um lugar oculto, poderíamos tentar explicar o sentido de grotesco como algo que se esconde, foge da “luz” tão cantada pelos que gostam do belo. Isso seria apenas uma tentativa de explicar, por exemplo o porquê do sinônimo da oposição belo e feio é a antinomia sublime e grotesco, de que fala, por exemplo, Victor Hugo em seu famoso Prefácio de Cromwell. Então, para explicar com maior base essa mudança de sentidos, precisamos recorrer à História.

De acordo com alguns livros pesquisados, a palavra teria surgido no Renascimento, em fins do século XV, quando escavações revelaram, no subsolo das Termas de Tito, da Domus Aurea de Roma, um estilo de pintura ornamental literalmente soterrada pela Era Média. Mais tarde, encontraram o mesmo tipo em vários outros monumentos. Por se encontrarem nos subterrâneos, essas construções eram chamadas de grutas. Por isso, grottesco seria “o que imita o tosco das grutas” (Larousse). Essas pinturas eram de figuras de animais imaginários, formas humanas estranhas e, também, de figuras risonhas. Eram formas livres, inacabadas, que se confundiam entre si. Essa liberdade ousada, risonha, inspirou os renascentistas, como Rafael e seus discípulos que imitaram esse estilo, que perdurou até o século XVIII.

O grotesco seria ainda um gênero literário que existiria desde 1532, cujo grande nome seria o francês Rabelais. As principais características do estilo literário grotesco seriam o uso do cômico, do bizarro, do absurdo.

Quem explica melhor o desenvolvimento desses significados é o historiador e filólogo Mikhail Bakhtin, em seu livro A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento – o contexto de François Rabelais, em que apresenta a história do riso ocidental, da qual o grotesco faz parte. O grotesco era a arte expressada pelo povo, eram as paródias, como a “gramática jocosa” ou o “testamento do porco”, lendas sagradas paródicas, os fabliaux, textos chulos, imagens exageradas e hipertrofiadas, os espetáculos carnavalescos, em que se fazia uso do latim vulgar, muito mais rico em expressões do que o latim clássico utilizados pelas elites eruditas. Bakhtin afirma que a obra de Rabelais, herdeiro dessa cultura popular, era centrada no “princípio da vida material e corporal” e chama esse estilo de realismo grotesco.

 Esse gênero não se opõe ao sublime (do latim sublimis, sub mais limis: o que sobe em linha oblíqua, o que se eleva até o céu): “o ‘alto’ e o ‘baixo’ possuem aí um sentido absoluta e rigorosamente topográfico”. A representação do alto é o rosto e o baixo seriam o ventre, o traseiro e os órgãos genitais. Outro importante autor que fez uso desse estilo foi Cervantes em seu Dom Quixote, que não deixa de ser, de certa forma, uma paródia dos romances de cavalaria medievais, em que há muitas imagens de banquetes, e o Sancho Pança lembra um personagem grotesco inclusive no nome.

É importante salientar que essa arte grotesca de que falamos sempre existiu, mesmo no período clássico, foi a arte “não oficial”, profundamente ligada ao povo, mas o termo surgiu apenas, como vimos, no Renascimento. Bakhtin explica que a ampliação do termo foi lenta, e seu caráter pejorativo teria se dado devido a análises teóricas como a de Vitrúvio, um arquiteto romano, que condenava o gênero por se tratar de uma obra “bárbara”, sem sentido, ou seja, recriminava-o do ponto de vista clássico.

No século XVII, com o classicismo francês, a arte voltou-se para o sublime, os preciosismos, a razão dominando o homem, a tragédia neoclássica de Racine e Corneille. Mas é evidente que a cultura cômica não foi perdida por completo, como podemos ver nas peças de Mollière, na commedia dell’arte  e até no Cândido de Voltaire. Surgem outros termos para substituir o grotesco: arabesco para ornamentos e burlesco para a literatura. Esses termos também têm origem interessantes, sendo arabesco inicialmente utilizado com o sentido do que vem dos árabes, e burlesco provindo do verbo burlar, quer dizer, enganar.

O período barroco que antecedeu ao clássico e sobreviveu de certa forma na Península Ibérica, era considerado grotesco para os partidários do clássico. Uma das definições encontradas para barroco é de grotesco, irregular, retorcido. A linguagem barroca apresenta, realmente, um certo exagero. Um exemplo de quadro barroco são Las Menines, de Velasquez, em que o pintor contrapõe luz e escuridão, presenças e ausências e coloca em cena a figura de anões, que, na época, eram considerados símbolos de boa sorte e acompanhavam a família real, como a pintada no quadro. À guisa de curiosidade, recomendamos o livro As Palavras e as Coisas, de Michel Foucault, em que dedica o primeiro capítulo à análise desse quadro.

No século XVIII, os classicistas pretendiam expulsar completamente o cômico de suas obras sérias, e uma das “vítimas” seria o Arlequim da commedia dell’arte. Em 1788, surge o livro História do cômico grotesco¸ escrito pelo crítico literário alemão Flögel, em que chama de grotesco qualquer estilo que se distancie dos modelos estéticos vigentes, mas a maior parte de seu livro é dedicado ao grotesco medieval, os carnavais e as paródias, como já citamos anteriormente.

Somente no Romantismo o grotesco adquiriu um certo status na literatura ocidental. Esse período reagia contra as fôrmas do período clássico (de certa forma, fôrma clássica não deixa de ser um pleonasmo, pois clássico significa modelo). Mas o grotesco romântico é o que Bakhtin chama de “grotesco de câmara”: não há mais a festividade medieval e renascentista, não é mais popular, é individual. O riso solto, “regenerador” medieval é atenuado: é o sarcasmo, a ironia. [...]

2 comentários:

Anônimo disse...

nossa, pomposo mesmo!

MC disse...

curiosa: tenho recebido visitas desse endereço e não posso acessá-lo file:///E:/Studies/2o%20Semestre/PPPII/o-grotesco-e-o-sublime-t-feia-mas-t-na.html

nunca peço feedback, mas queria saber o porquê do interesse. alguém me ajuda?