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sexta-feira, 17 de agosto de 2007

relendo machado

Em Esaú e Jacó, Machado de Assis escreveu as mudanças do Brasil Imperial ao Brasil Republicano. Como o Palácio de Nova Friburgo, que virou Palácio do Catete, ou a padaria que não poderia mais ser "do Império". Aires, o diplomata que escreve e se inscreve personagem dessa obra, assiste às coisas e as anota em seus cadernos, o seu Memorial. Como o dia em que viu um reles gatuno ser solto pelos praças, na Carioca, por bradar inocência, e pela gente que bradava por ele, com ele.

Mas então... perguntarás tu. Aires não perguntou nada. Ao cabo, havia um fundo de justiça naquela manifestação dupla e contraditória; foi o que ele pensou. Depois, imaginou que a grita da multidão protestante era filha de um velho instinto de resistência à autoridade. Advertiu que o homem, uma vez criado, desobedeceu logo ao Criador, que aliás lhe dera um paraíso para viver; mas não há paraíso que valha o gosto da oposição. Que o homem se acostume às leis, vá; que incline o colo à força e ao bel-prazer, vá também; é o que se dá com a planta, quando sopra o vento. Mas que abençoe a força e cumpra as leis sempre, sempre, sempre, é violar a liberdade primitiva, a liberdade do velho Adão. Ia assim cogitando o conselheiro Aires.

Hoje, ouvimos fogos na uruguaiana. As pessoas, ali, não gritavam. Olhávamos, ao longe, a fumaça que vinha da Cinelândia. Estava um tanto conselheiro Aires hoje. Lembrei dele, e fazia o mesmo caminho, com a diferença de que, depois de um almoço amigo, compraria um cabo de rede e não esperaria coche, entraria rápido no vagão que me traria ao Catete ainda um tanto quanto machadiano. Lembrei do capítulo seguinte a esse aí:

Essa outra vozeria maior e mais remota não caberia aqui, se não fosse a necessidade de explicar o gesto repentino com que Aires parou na calçada. Parou, tornou a si e continuou a andar com os olhos no chão e a alma em Caracas. Foi em Caracas, onde ele servirá na qualidade de adido de legação. Estava em casa, de palestra com uma atriz da moda, pessoa chistosa e garrida. De repente, ouviram um clamor grande, vozes tumultuosas, vibrantes, crescentes...

— Que rumor é este, Carmen? perguntou ele entre duas carícias.

— Não se assuste, amigo meu; é o governo que cai.

— Mas eu ouço aclamações...

— Então é o governo que sobe. Não se assuste. Amanhã é tempo de ir cumprimentá-lo.

A fumaça era de cansaço de uns. Enquanto isso, a polícia fechava as barracas do Saara. Não ouvia gritos. Só a conversa entre freguês e vendedor:

— Quem é aquele de capuz?

— É o X-9.

— Mas por que, o capuz...

— E até os tênis?

***

Le Fleuve (in)tranquille

(À espera de Dissipatio)

Carioca furmegante

Em meios-dias

Centrados urbanóides

Soslaiam circos uruguaianos,

Mímicos da Independência,

Músicos de ouvi-dor,

Palanques cinelandinos,

Pintores candelários,

Ou artesãos do Largo,

Enquanto guerreiam homens de Roma

Contra sub-homens de pedra e asfalto.

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