work in progress

Creative Commons License

Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

all work and no play

segundas-feiras de manhã me obrigam a pegar ônibus. é quando leio mais e vejo mais as pessoas com calma.

um senhor me deixa passar na sua frente, mas não havia mais lugares para sentar. ouço ele levantar a voz, do outro lado da roleta, ainda: "mas a senhora não vê que eu tenho 84 anos?"
tive pena da ironia dela, pena da ignorância dela, mas dó mesmo. e raiva também. "não é culpa minha se o senhor não fez a carteirinha".

e o senhor de 84 anos continuava em pé, pelos solavancos da buarque de macedo e adiante, de catete a flamengo, já, três ou quatro paradas do ônibus. não tinha a dita carteirinha do riocard. a senhora, talvez mais nova do que parecesse, bonachona, nem olhava para o senhor. se conheciam de todas as manhãs e ela ainda o mandava esperar. tinha que tomar nota da identidade dele, escrever em uma guia, que é enviada para a prefeitura.

como diz a propaganda da prefeitura do rio, agora ninguém fica atrás da roleta. o riocard para quem já tinha o direito à gratuidade garante, também, o direito de atravessar o "abismo" da roleta e sentar em qualquer banco. não apenas no antigo espaço reservado a idosos, deficientes, grávidas... mas, se esqueceu a carteirinha, idosos, deficientes devem aguardar uma autorização do cobrador ou motorista do ônibus. como se não estivesse estampado naquele rosto seus 84 anos...

*

sexta à noite, e ainda preciso ir às aulas de licenciatura. por duas disciplinas, não terminei o curso (mesmo já tendo terminado o bacharelado há 3 anos, estágio há 2, mestrado há 1, tendo feito curso de magistério no ensino médio). motivos vários, mas, principalmente, falta de horários.
esse semestre, como nos dois últimos, não consegui me inscrever na turma perfeita de filosofia da educação. o sistema automático que gera as turmas me expulsa sempre dela (todos os outros 40 alunos inscritos, provavelmente, estão na mesma situação que eu, diz a coordenação da faculdade - como se aqueles meninos de 19 anos que fazem a matéria tivessem iniciado a faculdade há mais tempo que eu).

aí começam as aulas no horário que não queria. aí o professor falta duas semanas sem aviso. quando dou a idéia aos colegas de fazer uma lista com um pequeno textinho pedindo explicações sobre a ausência de professor, todos me olham como se vissem uma revolucionária radical de esquerda, e procuram pelo corredor agentes do dops.
continuam conversando em frente ao moderno quadro branco vazio (há apenas um ou dois anos que eles existem pelas paredes da antiga faculdade). 50 minutos de atraso, e todos acabam assinando a lista.
a coordenadora agradece a listinha: "mas esse professor não está mais aqui, passou em um concurso público". rá. "mas logo logo deve vir outro e vamos avisá-los".

então, quando não vou, o professor chega. típico da faculdade de educação da ufrj.
e o típico substituto, na verdade, era realmente o professor esperado desde o início (falta por acidente e problemas com o horário). os colegas nem me olham, provavelmente achavam que era invenção minha a conversa com a coordenadora.

em duas horas e meia de uma aula pretensamente de filosofia de educação. o professor discorre sobre livros e novos estudos no "zestadozunidos" que ele leu em revistas de vulgarização científica.
respirava... olhava os alunos e recomeçava: "tem um estudo que já comprovou que a liberdade não existe, todas as escolhas humanas dependem de mecanismos do cérebro". ok, mas não se pode excluir o entorno, o processo histórico, a natureza, né? "mas todas as escolhas na história dependeram de indivíduos".

2 h 30 min sem filosofia, sem educação, e afirmações de novas "verdades" científicas que desmentiriam as idéias de inatismo. o problema não era a citação dessas verdades, mas afirmá-las como tal sem que ele tenha a devida autoridade.

2 h 30 min de críticas à sociologia, à história - "porque hoje a ciência explica tudo".
amassei o lápis ao ouvir a asserção: "hoje sabemos que o homem nasce uma tábula rasa", descartando os estudos de chomsky e a capacidade inata da linguagem humana.
"o bem também é explicado pela ciência. quando uma pessoa faz o bem, ela sente prazer e continua a fazer o bem. pessoas como madre teresa de calcutá e são francisco sentiam um bem tão grande em fazer o bem que continuaram fazendo o bem".
isso não se chama masoquismo? eles sentiam prazer com a dor do jejum!

ok, meu argumento não era bom.
mas 2 h 30 de conversa de botequim em uma sexta à noite onde se deveria, realmente, tratar de fundamentos filosóficos da educação - matérias que considero sérias, tais como todas as ciências humanas. se eu não gostasse de ler e discutir sobre o assunto, talvez acreditasse nas "verdades biologicamente comprovadas" recitadas pelo professor.

mas

filosofia de bar eu discuto no bar.

para piorar, o prazo de mudança de turma/trancamento de disciplinas já acabou. lá vai mariazinha chorar no ombro da coordenação porque não pode perder 2h30 por semana para ouvir leituras de superinteressante...

pior é lembrar que esse retrato acima se repete a cada semestre pelos corredores da minha faculdade.

=> para quem gosta de filosofia da mente estudada por gente que sabe o que está falando>
http://mikael.cozic.free.fr/introesprit0607.htm
pós-doutorando da ENS e Paris I, ele disponibiliza os cursos online. e
ainda:
http://consc.net/


**

de resto, trabalho, trabalho, trabalho. amigos vão pra longe, outros chegam. é assim, né?


***

depois de uma semana como essa, uma conjuntivite me obrigada a ficar em casa. é ou não é o meu corpo mandando atualizar o blog?

Nenhum comentário: