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sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Último dia de aula, Mariazinha se despede dos aluninhos queridos e se distrai em leituras, esperando a hora de ir embora ou a bonança, o que viesse primeiro. Nem uma nem outra chegam, mas a chuva invade a sala pela janela, discreta. Um dicionário no parapeito tentou contê-la, mas, naquele instante, a chuva transbordava materialmente todos aqueles significantes, e veio a denotar um riacho sob as cadeiras enfileiradas em dia de prova.

Sem muito tempo pra filosofemas, Mariazinha pega o caminho de casa, a água entre os pés e a sandália fizeram-na a desistir de uma festa de aniversário. Deus mandou essa chuva para ir pra casa, pensou, corrigir provas. Mas a Praia de Botafogo estava na maré cheia. Até as calçadas, e as sarjetas tomadas pela água. Temia escorregar, encharcar-se, ser atropelada na confusão. Impossível atravessar a rua-rio que havia se formado.

Um grupo seguia a pé contra o trânsito, na impossibilidade de atravessar para pegar um ônibus direção centro e na ausência de táxis vazios, ela seguiu, também, esperando um espaço possível para atravessar ou um carro amarelo ou, quem sabe até, ir andando até em casa, uns quarenta minutos necessários para mastigar pensamentos sob a chuva.

Mariazinha no meio da chuva, no meio da rua, andando contra os carros. Até que o desespero bateu e Mariazinha entrou num 157, velho companheiro de longas jornadas, na direção oposta de seu caminho.

Abriu um livro decidida fazer o passeio completo, ir até o final e voltar com o ônibus ou outro, terminando assim sua leitura com proveito, mas acabou conversando sobre a chuva, aulas de francês na 5a série e a desorganização do trânsito com o cobrador. Perfil de sempre, escola abandonada pra trabalhar, tentando algum concurso.

- Você parece mesmo professora.

Enfim, pensou Mariazinha, com um mês de óculos consegui a minha identidade profissional.

(Anos antes, numa kombi, o motorista testava, a cada viagem: crente, psicóloga, roqueira)


- Já tinha visto a árvore?

Mariazinha preferia a Lagoa por si só, mansa, sem toda aquela luz. Pra ela não tem mais graça em luzes de Natal. Apenas a árvore da casa da vó, mas é a casa da vó. E isso é outro conto.

Achou mais proveitoso descer na Lagoa, na primeira calçada que lhe pareceu segura; atravessaria a primeira rua à sua frente, que por acaso era a Maria Quitéria até poder encontrar um outro ônibus para a volta, pela Visconde de Pirajá.

- Você tem telefone?
- Tenho namorado.

Se as instituições ouvissem mais os seus, talvez eles não ficassem caídos pela primeira pessoa que os escuta. Somos todos carentes. Seria preciso mais carinho na escola, no trabalho, mas isso é outra matéria.


Ora bolas, pensou. Não era por aqui o tal aniversário? Emporium, seria na Vinicius? Parou no orelhão pra tentar do estado das coisas, da hora, do endereço. Foi quando um casal se aproximou do orelhão, curioso com a personagem de pés molhados que ali se escondia.

- Maria, você veio!

E todos foram felizes para o bar.

Um comentário:

Alisson da Hora disse...

Adoro contos com esses situacionismos perspicazes...

=***