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terça-feira, 27 de julho de 2010

"Você gosta de poesia?"

Largo do Machado, por volta das 13h, lá estava uma estátua viva, prateada, sob o sol. Sob a pele argêntea, possivelmente um homem branco, cabelos lisos endurecidos pela tinta, talvez castanhos sob ela. Sua postura, apesar da túnica, não condizia com a de seus colegas gregos, e parecia mesmo abaular o ventre propositadamente. Movimentava-se, quando o vi, entregando uma florzinha de papel a uma menina, acompanhada da mãe. Retomou a postura pseudo-estática e lá ficou.

Passantes passavam, insensíveis. Não temos por hábito, pensei, de cultuar monumentos. Pobres estátuas vivas, importadas da França, talvez, não se encaixam nas praças com seus bustos desconhecidos, agraciados apenas por pombos (é raro vermos curiosos se interrogando sobre os homenageados em bronze. Quem se importaria, portanto, com uma estátua viva, que nem forja uma identidade célebre?).

***

Há pouco tempo, assistimos a um culto religioso em torno de uma estátua dos jardins do Palácio do Catete. A estátua de uma ninfa, seios nus, era circundada com cânticos em nome da Virgem Maria. Juro. A estátua profana teve sua própria identidade profanada.

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Tive pena do falso homem de lata. Mas logo sua estática posição foi interrompida pela moeda oferecida por uma senhora risonha, mesmo gesto da florzinha de papel, conversa ligeira; depois, duas pré-adolescentes e seus sorvetes de baunilha, as florezinhas brancas e os sorvetes brancos. O homem-prata não parava. Denunciado pelo vento na túnica, ele, na verdade, não se esforçava muito para ser estátua. Talvez pensasse que o esforço de pintar-se, cobrir-se com a túnica e subir no banquinho fosse o suficiente para ser considerado estátua


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Esse homem prateado me lembrou dos nossos "poetas de rua" que acreditam que qualquer trabalho que seguir o molde dos sem moldes anos 1970, 1980, estão fazendo arte. 

Outro dia assisti a um espetáculo de uma "poeta/cantora". Em um restaurante lotado, fazia aquela voz de poeta que está revelando o mundo para todos. Não dava para ouvir o que ela dizia, nem a música, só as vozes dos clientes. No entanto, era um espetáculo "produzido" por um "produtor" formado em música. E a artista ainda se ria do fato de "não ser formada", como se ainda acreditasse no seu dom natural para fazer arte. Lembrei de outros artistas, dessa vez de quadrinhos, que distribuíam seus zines em um lançamento de livro. Pequeno, de qualidade duvidosa, mal feito, sem cuidado com o texto ou com o traço. 
Não gosto de falar de coisas que não gosto, pode soar pedante. Mas o fato é que todos esses artistas que cito fazem faculdade de arte e desprezam o passado. Como se a experimentação absoluta fosse algo novo. Por que estudam, então, se não querem realmente refletir sobre o trabalho que fazem ou se não aprendem ali nada sobre outros autores? E, o pior de tudo, acreditam que essa nomenclatura de artista lhes é natural, porque desenham algumas linhas, escrevem outras. Tenho o máximo de cuidado em dizer isso. Nem todo esse meu tempo de escrita poderia realmente afirmar que sou (argh!) poeta ou ainda (ui!) crítica literária. Aliás, prefiro dizer que não, não gosto de poesia.

Não há um trabalho de leitura dos antigos, uma busca no que se produz, não se pensa sobre o que produz. Não há diálogo possível. Arte é entretenimento e que tiver o máximo de leitores/seguidores, está dentro do campo sagrado da arte. Arte não é esforço, é apenas alguém te olhar e ver que você ao menos "tentou" brincar de artista.

5 comentários:

porco disse...

eu não gosto de poesia

Stephanie disse...

toda vez que me perguntam se gosto de poesia eu digo que não. mas vontade é dizer assim: 'eu gosto de poesia não gosto é de gente pretensiosa questionando do que eu gosto'

MC disse...

Melhor dizer logo que você odeia.

Poxa, ninguém está obrigado a ouvir seus poemas, né?

Rá, no último Cachaça Cinema Clube, um "poeta" subiu no palco e começou a recitar. Foi realmente muito engraçado. Isso porque o público interagiu. Gritava: "mas isso não rima", essas coisas.

MC disse...

Atualmente, Porco, acho que há quadrinhos que são poesia pura, coisa que o grosso "poetas" já perderam...

Mas nem todo quadrinho eu gosto, é que nem poesia, pra mim.

Alisson da Hora disse...

Sou um poeta silencioso. E crítico que já se ferrou algumas vezes, porque os 'poetas' não estudam e acham que qualquer crítica contundente é 'academicismo'. Pior dos que não estudam, são os que estudaram e fazem vistas grossas para as obviedades da história da literatura que diz que todo experimentalismo um dia arrefece, dando lugar à ponderação e ao artesanato poético. E jogam isso fora pra se jogarem nesses recitais babacas, repleto de vazio...