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quinta-feira, 19 de maio de 2016

Sarah Vicomte: "Manifesto contra o orgasmos"

Há algum tempo li esse manifesto e me encantou essa ideia contra a bulimia do orgasmo, vendido como item obrigatório por toda parte. Finalmente, parei para traduzir. Foi redigido pela videasta pornô e ativista Sarah de Vicomte.  




[…] Não, o sexo não é um concurso de proezas acrobáticas e filosóficas, nem mesmo uma corrida pelo desabrochar absoluto e ainda menos uma corrida pelo orgasmo.
O sexo, é mil coisas ao mesmo tempo: pode ser a mão de sua amante em sua calcinha em uma noitada sapata, pode ser a menstruação que chega em uma hora “ruim”, pode ser uma vontade tão apressada que sua parceira tira o O.B. e o manda pro outro lado do quarto, pode ser de pé contra uma árvore no verão, sob a coberta em uma manhã de inverno, uma tarde de primavera, à lareira com ou sem meias, vestida de lã ou de pele. Pode ser feito rapidamente após um dia de trabalho e antes de jantar com os amigos, de manhã antes da aula, um chupão ainda no pescoço. Pode ser em um trem, pode em casa, pode ser transcendente, apaixonado, lacrimoso, frustrado, rápido “demais” ou lento “demais”, pode ser belo ou pode ser chato. Pode-se olhar nosso parceiro, ou olhar pro teto, fazer a lista de compras ou contar seus botões. Pode ser um orgasmo rápido, vários orgasmos seguidos ou sem orgasmo algum.


Orgasmo “em-todo-lugar-o-tempo-todo”…

Ele vem do grego orgasmos e orgân significam “ferver de ardor”:
O orgasmo, o término “lógico” de uma relação sexual, ou o fim obrigatório para toda relação de ordem sexual, a apoteose “universal” de todos nossos sentidos.

O orgasmo – feminino – da Antiguidade até hoje está por todo o canto. Ele foi decorado das mais belas virtudes ou os maiores males; ele é ONIPRESENTE mas ele é, sobretudo, a condição sine qua non para uma vida sexual jubilosa.

Na internet e na imprensa, passam para você as astúcias para acessar o gozo extremo: te dão 10 truques quiçá 10 mandamentos para atingi-lo e, de forma certeira, o orgasmo.

Para isso, as revistas e outras mídias nos levam a querer atingir a todo preço esse orgasmo e não hesitam, aliás, a nos culpar pela nossa “incapacidade" em gozar “normalmente”. 

Somos rodeadas de injunções que se fazem passar por conselhos e se não conseguimos gozar é que temos um bloqueio ou que não somos liberadas sexualmente o bastante. A libertação sexual de hoje é uma digna herdeira capitalista da libertação sexual de ontem: para gozar bem, compre utilitários e outros sextoys, consuma. O orgasmo não é finalmente mais o término “lógico” de uma relação sexual, não, o verdadeiro objetivo é de fazer você gastar uma grana!


…ao orgasmo ausente…

Mas o que acontece então na cabeça das mulheres que nunca tiveram ou têm raramente orgasmos? 

Na mídia e nas conversas entre amigAs, ouve-se às vezes dizerem “que trepar sem ter orgasmo, não é trepar de verdade – nada além disso! O que sentem as principais pessoas a quem isso concerne? O que elas dizem, de fato? O que nós fizemos do orgasmo?

Assim, parti em busca de mulheres que se sentiam diretamente tocadas por essa questão, e cheguei à minha conclusão de que, do orgasmo, nós fizemos um simulacro: 

“Tinha namoradas que ficavam muito mal por causa disso, sobretudo uma. Ela tinha a impressão de que eu tinha um verdadeiro problema, ela me pressionou muito. Resultado? Acabei simulando orgasmos.”
Essa é uma fas respostas a essa enorme pressão que nós colocamos nos ombros e entre as pernas: gozar a todo preço, pelo Outro, pela sociedade. E a si?

O si-mesmo, em tudo isso, se sente culpado de não ter orgasmos, de não conseguir gozar como se deveria:

“Hesitamos sempre um pouco antes de falar disso, nos sentimos deslocadas, anormais e tememos o julgamento. Escutamos histórias de sexo de todo mundo e todo mundo acaba gozando. Eu, não. Por que é que eu não consigo? Sou anormal? Há alguma peça que falta em mim? Não entendo, não é como se eu não fizesse esforço para chegar lá…” 

“Confesso, essa sexualidade transbordante me dá um troço. Mais particularmente essa obsessão pela performance […] Com algumas de minhas relações (principalmente com os caras) isso virou um problema de verdade, eles querendo tentar várias coisas comigo e eu me sentindo completamente entravada e oprimida.” 

Depois, finalmente, joga-se o problema sobre as mulheres: se elas falham em suas relações amorosas é porque elas não dão o melhor de si na relação sexual: 

“Muitas vezes me jogaram na cara que se meus ex tinham me largado é porque eu era muito ‘travada’ ou quem eu devia culpar era só a mim mesma.” 


Orgasmo para todos
- Vamos gozar sem entraves
- Nem em sonho!

…até o prazer bem presente.

Como nós poderíamos, em nome da libertação sexual das mulheres, alegar saber melhor que as outras, que não ter orgasmo é um problema? Nós não lutamos para que TODAS as mulheres tenham a escolha, pouco importa o que elas façam?

As pessoas que responderam meu chamado para testemunhar estão de saco cheio dessa pressão, ao mesmo tempo em que elas vivem bem sua sexualidade:

“Posso ter muito prazer sem ter orgasmos."

“Sou feliz sexualmente, não tenho um sentimento de falta ou qualquer que seja. Adoro o sexo, adoro falar dele e vivo muito bem minha sexualidade. […] Nossa sexualidade é ativa e apaixonada, devo confessar que é minha primeira vez em que tenho tanto prazer. Não busquemos fazer gozar, busquemos o prazer para nós e para o/a parceiro/a.” 

Ouço algumAs já afirmar “… sim, mas… elas não sabem de verdade o que elas estão perdendo”, como já pude ouvir antes. 

Visivelmente, certas pessoas ou certa mídia ficariam contentes de saber o que é a realização sexual “para-todos-e-todas”. Sim, pois nós falamos de realização sexual desde o começo, mas também de realização pessoal. 

O prazer, o gozo, a felicidade são noções muito mais vastas e bem pessoais para que se tenha necessidade de se dizer “Você tem que gozar assim, tem que trepar assim, tem que gostar assim, viver assim, morrer assim, porque a felicidade, é assim.” PAREM!

Pode-se trepar, fazer amor, ter prazer e se excitar sem ter orgasmos. Uma relação sexual também é uma relação carnal, sensual, um corpo a corpo mais do que um “sexo-a-sexo”, um “xota-a-xota”! 

Nos gostaríamos de gozar sem entraves e nós nos agrilhoamos. Na batalha, perdemos a liberdade.

Nossa liberdade. 

Sarah

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