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domingo, 13 de abril de 2008

"Crime em ritmo de espetáculo" - Bia Abramo

Coluna de hoje, da Folha (excepcionalmente publicando texto alheio integral, já que não está disponível via web)

A ESTA altura, o chamado "caso Isabella" já está solucionado. No momento em que esta coluna é escrita, a polícia diz ter 99% do caso resolvido. É quinta-feira, início da tarde, e, se estamos a apenas 1% da certeza às 14h30, é muito provável que a história completa esteja pronta a tempo de entrar na pauta dos telejornais noturnos.Qualquer que seja o desfecho, qualquer que tenha sido o assassino, é daquelas histórias de sofrimento e dor insuportáveis -da menina espancada e socorrida ainda com vida, da mãe e do pai que perdem a filha ainda pequena, só para nomear as mais diretas-, portanto, mesmo que a gente acabe sabendo quem matou, não há bem "solução" para o "caso". Na televisão, a morte da menina foi tratada em ritmo de investigação policial, com toque de comoção. Perícias foram feitas, gente foi presa, substâncias misteriosas (mas familiares para quem assiste às séries policiais norte-americanas) foram usadas, sangue e DNA foram testados; quase como em um episódio de "CSI" ou de "Law & Order - SVU", a toda esta movimentação deve seguir, como um corolário natural, o esclarecimento. E, no entanto, não há nada de "natural" nisso, pelo menos na experiência brasileira. Muitos crimes permanecem na obscuridade, pelas mais diversas razões, que vão do desinteresse em investigá-los aos interesses que obstruem o acesso à verdade. Entretanto, o imaginário da cultura de massa, numa genealogia comprida, que vai dos contos de Edgar Allan Poe (1809-1849) ao último seriado policial e às telenovelas, nos habituou a esperar a revelação do assassino, ainda por cima em casos espetaculares como o de Isabella. Por outro lado, comoção, autêntica e fabricada. O assassinato, embora seja fato corriqueiro, é sempre um mistério; quando se assassinam crianças, soma-se a crueldade do mais forte contra o mais fraco ao inexplicável; daí a naturalidade da emoção. Mas nós, a mídia, também fabricamos essa emotividade, seja reiterando o assunto seguidas vezes, seja explorando os detalhes mais irracionais. Por que é que um telejornal, de ordinário sóbrio como o "Hoje", ilustra reportagens sobre as investigações com fotos da menina sorridente, os dentes-de-leite faiscando para a lente, a pose cheia daquela falsidade graciosa das crianças diante da câmera? Não há informação nenhuma na imagem, só o efeito de sussurrar aos nossos ouvidos: "Ela, esta criança tão bonitinha, está morta; revolvam seus sentimentos a respeito". Não há na mídia, em geral, nem na televisão, em particular, lugar para a simples tragédia.
biabramo.tv@uol.com.br

Um comentário:

paula disse...

eu juro que eu vi uma propaganda do fantástico e eu até comentei com um amigo que ela não era um personagem de novela mas 1 pessoa. geral quer saber quem é o assassino da isabella igual querem saber quem é o assassino no último capítulo da novela das oito. como se fosse mudar a minha vida ou a de qualquer pessoa saber quem é.
não vai mudar. quem sofre de verdade é a família. eu não dou 3 meses e todo mundo que tanto sofre agora com a morte da isabella já esqueceu o assunto. até morte agora é espetáculo. triste.