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sexta-feira, 30 de maio de 2008

a geladeira

saía de manhã e voltava às seis. às vezes passava no primeiro mercado do caminho e comprava algumas frutas, massas, queijo, carnes. vivia só, comprava o bastante que não fosse apodrecer em sua geladeira. mesmo assim, a cada sábado, a esvaziava dos cadáveres que ali jaziam.
começou a comprar congelados, mas não era o mesmo prazer que tinha em fazer a comida. inventava molhos diversos e os degustava em frente à televisão ou ao computador.
a princípio, então, ele ficou aliviado quando a comida passou a desaparecer da geladeira. achou que estava aprendendo a comprar só o que fosse realmente consumir.
depois, ficou intrigado. todos os dias, alguém comia o resto de seu fusilli, suas pizzas, seu arroz. e o frango, o peixe ao molho de alcaparras. e ele queria terminar de comer daquele peixe.
ficou com medo de sua casa.
a princípio achou que fosse algum vizinho. não falava com os vizinhos. só poderia ser algum vizinho.
um dia, voltando do mercado, instalou uma pequena câmera em frente à geladeira. outra no corredor que ligava cozinha e sala. e, no dia seguinte, enxergou a pálida mulherzinha caminhando pela sua casa, abrindo a geladeira. ela não comia. levou consigo duas embalagens de iogurte e um bom pedaço do frango. e sumiu pelo corredor. não parecia sair da casa. mais tarde, ela voltou para buscar uma banana.
ficou assustado com as cenas. não conseguiu sair do quarto. não fez a comida, não comeu. não dormiu direito. ficou trancado toda a noite, com mais medo ainda.
quando a manhã apareceu, teve coragem. buscou a fita e ligou para a polícia. teve que ir lá entregar. faltou ao trabalho e voltou para casa acompanhado de dois agentes.
que olharam a casa toda até encontrar a mulherzinha, mínima, pálida, morando em um velho armário do porão. ele não conseguiu olhar naqueles olhos enquanto os guardas a levaram dali.
à noite, ele fez um miojo.


baseado em um fait-divers


Um comentário:

paula disse...

eu nem preciso dizer que eu amei esse contículo baseado em fatos reais. fiquei chocada com a mulher instalada no armario do moço. que triste.