Idéia de mamãe, que é especialista em Integralismo. Um amigo anarquista colaborou com a minha pesquisa. Outros foram comigo caçar skinheads pelo Garage. Mas lá me surpreendi com o Rio Negro das meninas-drag-queens-do-metal cruzando com o Solimões das meninas-short-e-top-mimosas, outro estudo antropológico.
Com essa história de é cool ser de direita, registro aqui algo mais teórico sobre o assunto.
A Moda
Um dos significados para a palavra moda, no dicionário Houaiss, diz que se trata de um “conjunto de opiniões, gostos e apreciações críticas, assim como modos de agir, viver e sentir coletivos, aceitos por determinado grupo humano num dado momento histórico”. A moda, entendida aqui no nível do vestuário, envolve sempre uma certa padronização, um sistema, que envolverá sempre um coletivo, convenções de grupos. Segundo Roland Barthes, em seu livro O Sistema da Moda, até o excêntrico segue uma determinada estrutura, lembrando que a exclusão de um determinado sistema não implica “exceções à regra”, mas é sempre intrínseca ao próprio sistema, como veremos com mais detalhes a seguir.
Na chamada de capa do livro Chic, de Gloria Kalil, podemos ler: “Nesse mundo cada vez mais competitivo, a aparência joga um papel decisivo. Sua roupa, o jeito de se colocar no mundo do trabalho e na vida social correspondem à mensagem que você pretende transmitir aos outros?”. Não podemos esquecer, evidentemente, que, certas vezes, “aparências enganam”, mas vestir, como dizer, implica sempre posicionamentos, mesmo inconscientes.
Peter Burke, em artigo publicado na Folha, discorre um pouco sobre a história do vestir-se. Refletir sobre esse tema, como ele explica, é fato recente, assim como o próprio conceito de Moda de massa que conhecemos hoje. Esse interesse se dá por exemplo, em grupos de historiadores econômicos, sociais ou culturais, que tentam estudar, a partir das mudanças no vestuário, as mudanças nos modos de consumo de determinada sociedade, e, por conseguinte, as características econômicas, sociais ou culturais de uma determinada sociedade num determinado tempo histórico.
Surgida no século XVII, na França, “la mode”, na concepção que conhecemos só começa a ser vinculada ao mercado no século XVIII, quando fabricantes de roupas começam a criar modelos para mulheres de classe alta e ilustrá-los em periódicos sobre o assunto. Anteriormente, já existia evidentemente signos do vestuário determinando códigos sociais, como as cores da nobreza, a separação de castas em algumas sociedades, uniformes militares etc. Esses códigos separavam um grupo do outro, diferentes ordens sociais. Com a vinculação do vestuário ao comércio, o “estar na moda” explicita ainda mais um status social, e dentro mesmo de cada nível, passa a marcar a diferença de poder aquisitivo. No século XX, tornando-se a moda um fenômeno de massa, o vestir-se continua portando seus signos e cada vez mais implica expressão. Propagandas das grandes lojas de roupas, as marcas, a excentricidade, a rebeldia, os uniformes, as camisas com dizeres, o mal-vestir-se e o mal-vestir-se por exclusão do mercado de consumo, as roupas “étnicas”1 e as roupas de grupos possuem signos que em maior ou menor grau podem ser usados como objeto de estudo de cada grupo.
A vestimenta, portanto, pode ser lida como código assim como a língua e exprime sentidos obrigatoriamente. “As forças repressivas não impedem as pessoas de se exprimir, ao contrário, elas as forçam a dizer, elas as forçam a se exprimir” (Deleuze apud Ortega, 2000). Pode-se ler essa citação como análoga à famosa frase de Roland Barthes, que afirmou em sua Aula inaugural do Collège de France que a língua é fascista, não por proibir, mas por obrigar a dizer. Mesmo não querendo, usar estampa militar pode fazer você ser identificado como partidário do militarismo ou apenas que não se opõe a ele, vestir uma t-shirt de alguma marca revela seus gostos e fazer a sua própria roupa também pode indicar que você, simplesmente, não gosta do que é estabelecido pelas indústrias da moda.
No já citado Sistema da Moda, Roland Barthes estuda os signos dos vestuários descritos, fazendo uma análise semiológica ainda no código da língua. Ora, comunidades lingüísticas se determinam pela aceitação que se faz de determinados padrões, convenções sociais, num dado tempo e espaço. Se aceitamos que nossa língua é tão portuguesa como aquela falada em Portugal, isso não se deve apenas à estrutura do que falamos aqui e lá, mas a simples aceitação social que entre esses dois falares só há diferenças dialetais que não ocultam a compreensão, mesmo que alguns grupos estrangeiros acreditem que possa haver um idioma brasileiro. Da mesma maneira, se entendermos a moda como convenção de grupos, assim como a língua que possuímos, ela também possui sua estrutura e carrega consigo seus significados.
Analisando o “código do vestuário”, podemos ver os usos que a sociedade faz deste para explicitar as diferenças entre os diferentes grupos que a forma e os usos desse código como linguagem por cada grupo, como reconhecimento e hierarquia. Em seu artigo, Burke comenta também sobre um pequeno livro lido em sua infância que explicava os princípios dos uniformes militares. O primeiro, “da sedução”, tenta tornar atraente a figura do soldado, o segundo, “da hierarquia”, em que a roupa deve servir para identificar a patente do oficial e a terceira, da “utilidade”, que dependeria dos “tempos de guerra”, dos “tempos de paz” e das funções do soldado. A vestimenta de grupos também pode obedecer aos mesmos princípios, visto que a roupa pode ser usada como publicidade do grupo (princípio da sedução), da diferenciação interna (hierarquia) e utilidade (dependendo, evidentemente, dos diferentes grupos). Para essa análise, é preciso partir do padrão, assim como, ao estudar a língua, é preciso partir do que é considerado norma. As regras, é importante lembrar, não têm nada de natural, mas são impostas socialmente pela crença ideológica2 que valoriza os usos das elites econômico-sociais. No nível da língua, o padrão será sempre o falar destas e a norma considera errado outras variantes, dos grupos estigmatizados.
Dessa forma, o padrão do vestuário poderia ser visto como a roupa industrializada, que segue as tendências da “haute couture”, o mais alto padrão da moda, inalcançável pela maioria da população. As elites, ou os que querem se ver identificados como tal, buscariam essas chamadas roupas de grife. Os excêntricos ou rebeldes buscam criar suas próprias tendências, os “contra a moda”, no estilo “do it yourself” ou vestimentas de grupos. Cabe ressaltar que estes, mesmo assim, seguirão sempre estruturas e fica difícil perceber como se daria a fuga ao sistema do vestuário.
Vestir-se de acordo implica, portanto, a aceitação de integração ao sistema, pertencimento a este, homogeneização. Em Espirais da Moda, a francesa Françoise Vincent-Ricard comenta sobre a roupa dos “roqueiros”: “Sob a roupa esconde-se uma ideologia: a da solidariedade, da proteção e do reconhecimento no seio do bando, fora dele, a ideologia da violência e da agressividade”. Essa análise poderia ser aplicada a qualquer outro grupo que pregue um padrão de vestuário para seus integrantes, identificando o outro como “inimigo” e fazendo da roupa como modo de defesa e uniforme 3.
1 É interessante observar as classificações dispostas por Gloria Kalil em seu livro, tomando de empréstimo citações do historiador Boris Fausto, da filósofa Marilena Chauí e da antropóloga Sylvia Caiuby Novaes, a autora define os três diferentes estilos padrões da Moda (clássico, moderno e étnico, respectivamente).
2 Entendemos aqui ideologia no senso comum.
3 A autora chama os punks de “tumor” social, mostrando claramente seu desprezo e desconhecimento pelos diferentes grupos, como as várias correntes internas. Assim como existem vários tipos de punks, com posições ideologicamente diferenciadas pelos símbolos usados por eles, há “roqueiros” de diferentes posições ideológicas, que se dão mais no campo musical (há infinitas subdivisões de estilo, inteligíveis muitas vezes apenas pelos entusiastas) e das letras. Por exemplo, o estilo “black metal”, de inspiração fascista, é visualmente parecido inclusive com os apreciadores do “White metal” (sem relação com o “White power” de grupos de direita, mas cujas letras seguem inspiração religiosa protestante – o “heavy-metal gospel”).
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2 comentários:
muito ruin,ñ gostei.
eu pedi sobre juventude e estetica.ok.
vai tomar nu cu .primeiro vai sair das flaudas.
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