Era por volta de meio dia na Voluntários da Pátria, e uma mulher empunhava altofalante contra uma lojinha de uma telefônica. Provavelmente, menos de dez funcionários estariam ali dentro. A mulher, armada do som e auxiliada por uma kombi com logo de sindicato, falava algo sobre salários e a velha luta patrão e empregados.
Medo e desconfiança são um dos fatores que desmobilizam os grupos. O que impediria a mulher de conversar calmamente com os colegas e de chegarem a acordos? Afinal, não é por frescura que os trabalhadores em geral estão insatisfeitos com o seu próprio trabalho e não vou perder teu tempo, que é dinheiro, recitando Marx e companhia porque você sabe muito bem que trabalho estraga cabelo, unhas e polui o imaginário ...
Ao mesmo tempo em que sindicatos e associações de moradores estão completamente fragmentados, tomados por pequenos grupos - praticamente oligarquias politizadas -, hoje é muito fácil encontrar pessoas que se identifiquem com causas, levantando por elas bandeiras, isto é, fundando comunidades em redes virtuais, relacionando-se nelas com desconhecidos e semi-desconhecidos, abraçando ali causas muitas vezes autênticas, em grande parte apenas um rol de inutilidades ou o simples mimetismo dos preconceitos do status quo.
Queria acreditar que não preciso repetir e recitar antigos para exemplificar como a tal seleção de gostos e trending topics não é natural, muito menos arbitrária. Tomemos o exemplo do Iran, já tão debatido. Não é difícil descobrir por que as pessoas se engajam contra inimigos reais ou não. As "indignações seletivas" são estrategicamente criadas em laboratórios, assim como gripes e doenças sexualmente transmissíveis. Teoria da conspiração? Leiamos aqui, também aqui ou ali. Ou, ainda, pense por que achamos natural que nosso direito de ir e vir seja garantido por empresas privadas? Se você nunca ficou preso durante horas em um engarrafamento, talvez ache normal que nossos governos (municipal, estadual, federal), considere são deixar que companhias briguem entre si por caminhos que nos levam ao trabalho, seja de ônibus, táxi, barcos.
Pilho assim uma citação não ao acaso que diz o que queria dizer:
"A falta de uma compreensão dialética desses problemas [contradições entre os homens, que "criam situações de solidão, desenvolvem frustrações, espalham agressividade e insegurança"] e a avidez dos indivíduos pela comunidade (por formas de convivência mais profundas) levam as pessoas, com frequência, a aderirem, apaixonadamente, a sucedâneos de formas de existência autenticamente comunitárias (quer dizer: levam-nas a se integrarem em pseudocomunidades, em caricaturas de comunidades). É o que acontece, por exemplo, com algumas pessoas que passam a militar fanaticamente em organizações de tipo fascista, que se tornam propagandistas tempo integral de seitas religiosas "salvacionistas", viram "formigas" num "formigueiro" qualquer. E é também um fenômeno que se manifesta, com gravidade bem menor, no caso de certos grupos que se irmanam na "curtição" de uma diversão ou de uma moda passageira intensamente vivida" .
É preciso desconfiar das contradições e, sobretudo, das certezas.
Com as distâncias criadas entre os indivíduos, o único lugar que me parece ainda poder exercer o sentido de comunidade é a escola básica. Com todos os problemas, ainda é na escola em que a convivência é imperativa e é ali em que ainda há espaço para um debate prático sobre o quotidiano. No entanto, como a escola já nos divide em classes desde a matrícula, fica difícil ter uma visão mais abrangente do mundo. Uma formação necessária de professores deve levar em conta a comunidade aliada com a prática comunitária.
Os cursos de licenciatura, em geral, perdem-se no abismo das discussões retóricas sobre a sociedade. O que é necessário é aplicar projetos de mudança. Não se trata de uma questão de salvar a pátria, de fórmulas mágicas ou de caridade. É fato que é preciso se envolver com o grupo e ser envolvido por ele para que a educação seja proveitosa; as disciplinas devem ser integradas de modo que dialoguem entre si, matemática deve refletir o que se estuda em geografia, história em português, e a interdisciplinaridade deve ser alimentada por projetos decididos por toda a comunidade de professores, pensando na comunidade de alunos e na comunidade local. É difícil, sim, mas todo trabalho que ambicione resultados deve ser feito a partir de objetivos claros e sistematicamente avaliados.
No último final de semana, acompanhei a aplicação desse ideal: o grupo de pesquisa da Rede Arraial Sustentável incita seus formandos - em grande parte professores da rede pública local - a entrevistarem pescadores - sendo a pesca principal fonte de renda das famílias da cidade.
As entrevistas comporão um livro sobre o conhecimento tradicional da pesca em Arraial do Cabo, além de fortalecer o projeto de incluir esse conhecimento no currículo escolar. O objetivo é integrar realmente famílias e escola, além de promover uma valorização dessa comunidade. Já é um bom começo de transformação.
Outros modelos de organização devem ser pensados em cada instância. Mas, voltando à velha ladainha, é bem difícil pensar mudanças nas estruturas quando ainda existem trabalhadores e respectivas chefias que - por mais gentis que sejam - ainda acreditam na importância da hierarquia...
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1) Era Prdoudhon quem comparava cavalos que trabalham na lavoura e os de corrida? Não tenho mais essa referência... http://pt.wikiquote.org/wiki/Pierre-Joseph_Proudhon
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