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sábado, 26 de dezembro de 2009

meninos e meninas



Yayá e Beni, meus primos de um ano e poucos meses, cerca de mil fotos só no HD da minha vó. Quando eles chegam é uma festa barulhenta, nessa família que há muito tempo não via crianças.

Encontro Yayá uma ou duas vezes ao mês. Ela nos vê e diz papapa. É a senha, já conhecida da família: Viva la pa-pa-pa-ppa coool po-po-po-po-po-pomodoro... Ela vai direto pro escritório da bisa, mexe no teclado pedindo sua música favorita. No youtube, Rita Pavone, dezenove anos parecendo bem menos, vestida de menino, cantando que barriga vazia traz fome de luta. Apresentei pra Yayá e ela gostou. Depois, apresentei-lhe outras, a Rita muito agitada, e a Yayá dança, também. A avó dela lembra que quando Rita Pavone começou a fazer sucesso no Brasil, achavam que fosse homossexual. Assim pensava a falecida tia Matilde, nosso sinônimo de mãe super-protetora de três filhas, que olhava pra essa moda de calças compridas e cabelos curtos pra meninas com desconfiança. Escandalizou a Itália, sim, mas foi por casar com um homem já casado, quando divórcio inexistia por lá.

Yayá tem um ano e uns três meses e ganhou dois brinquedos e uns quatro vestidos de Natal de tios, vó, primos. Yayá é elegante, todos dizem, enquanto ela faz caretas pra câmera.

Faz calor, Yayá levanta o vestido. Todos correm pra ajeitar sua roupa. Não podemos brincar de tinta, porque suja a mocinha. O pai vem e leva meu brinquedo.
***
Casa de vó guarda sempre madeleines, e eu cá vejo ainda a mesa posta com feijão, farinha, pimenta e 51 para vovô e os amigos. Sentava-me lá, também.

O chão continua sujo de carambolas, abacates prematuros e flores vermelhas do flamboyant. Exploro as novidades acompanhada de Vaquinha, a cadela malhada, com quem não tenho tanta intimidade como tive com sua mãe, Vigilante Rodoviário. Quintal da vó era só árvore, cães e às vezes primos.

Yayá se agarra nas nossas pernas como fazíamos com os mais velhos.



Gi, a dinda de Yayá, tinha cabelos tão curtos quanto Rô, mas colocava toalhas de banho na cabeça e dizia ter cabelos longos. Ela subia na janela, Rô recitava poemas pra ela, chamando-a de Julieta, depois misturava as histórias e pedia que ela lhe jogasse suas tranças. Gi lhe atirava a toalha, ele virava pra nós, primos-público, sorria, dizia, instantâneo: "Perucas Lady, tá?".

Rô era o menino do meio entre duas mocinhas; moravam em Manaus com a mãe professora e o pai sacana e médico. Sacana, porque não era raro Rô chegar na escola, abrir a mochila e tirar dali bonecas, plantadas por seu pai. Não foi, então, à toa, que Rô brigou com os pais num dia em que acordou vestindo uma calcinha (não lembrava que ele mesmo, tendo feito xixi em sua cueca na madrugada, trocou sozinho de roupa e pegou a calcinha da irmã por engano).

Nós vivíamos sobre as árvores, disputando os melhores galhos. Papai me dizia que primeiro aprendi a subir nelas, depois a andar. Não sei até que idade eu andava apenas de calcinha pelo quintal, brincando com os cães e com as plantas. Lila preferia saias, e hoje me interrompe vez ou outra esse texto perguntando se a roupa lhe convém. Fê comia gongolos. Todas as três detestavam pentear os cabelos.

Eu era a prima mais velha dos que moravam aqui, tirando os primos de terceiro grau, com quem tentava aprender os mistérios das bolinhas de gude, das cafifas e da bola; abríamos riachos em meio à terra e à grama, construindo pequenas cidades. Depois nós todos construímos condomínios nas árvores.

Não há mais tantos galhos para Yayá e Beni, as árvores ficaram mais altas. Mas ainda haverá primos e cães.


Um comentário:

Alisson da Hora disse...

Simplesmente amei!(Sem contar as inúmeras referências que eu fui contando aqui e ali...)Enfim, quem sabe mexer, brincar com as palavras sempre produz algo admirável...

beijo!