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sexta-feira, 11 de junho de 2010

ainda sobre véus e cores

Estava quase saindo um ensaião sobre ideologia, etnocentrismo, e tal. Mas, por melhor que fosse minha intenção, eu não posso falar em nome dessas mulheres de niqab. 


Perguntei a uma amiga muçulmana, de Alexandria, o que ela pensava disso. O niqab, que não é obrigatório (e também não o é a burca, que são, aliás, diferentes - a segunda é bem mais ostensiva), é usado por mulheres que "gostam de usá-lo, ou porque elas querem que só o esposo as veja, ou porque são muito piedosas e acreditam que na época de Maomé era assim, ou ainda há algumas que querem se esconder e outras ainda que são muito feias". 


Minha amiga, que usa véus coloridíssimos sobre os cabelos bem pretos, também não pode falar por essas mulheres. Elas têm que ser ouvidas, e é disso que reclamo. Num país tão democrático quanto a França, essas que querem (querem porque protestam por ele, foram às ruas por ele e ainda são acusadas de "manifestantes", agitadoras... e elas podem, sim, mostrar o rosto quando lhe pedem a identidade) usar os véus não têm direito de dizer o porque, não há conversa. 


Por que houve aumento de mulheres usando o niqab em um país democrático? "Temos o direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza". O apagamento sob o niqab é extremamente simbólico. Por que essas mulheres querem desaparecer sob essa máscara? Também temos o direito " a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza”. Não é uma lei que vai dá-las "liberdade". Muito menos a minha roupa ocidental, que não é nem nunca será sinônimo de liberdade, a mínima liberdade que seja. Pelo contrário, leis só provocam o recrudescimento do sentimento de margem de todo um povo. Vamos parar por aqui, eu disse que não ia fazer um ensaião sobre ideologia, etnocentrismo, logocentrismo etc. e tal. O Tariq Ramadan fala muito melhor sobre isso no vídeo que postei aqui

A Rede Globo mostrou, no Bom Dia Brasil de ontem, bonitas imagens de mulheres do Afeganistão com os rostos descobertos, livres da burca. Belos rostos, olhos impressionantes. Não se negam nem se oferecem: olham, sustentam o olhar. Nos comentários, Leilane Neubart e Renato Machado acentuaram a liberdade de ser, demonstrada naqueles olhares, e a perspectiva de vida nova para as mulheres do Afeganistão com a dispensa da burca.
Em parte é verdade. Vale para as mulheres de algumas regiões do país, principalmente do Norte. Mas uma informação importante está faltando em todas as reportagens e comentários: aquela camuflagem de mulher, a burca, não foi inventada pelos talibans. Existe há séculos nas comunidades da etnia pashtum. Os jornalistas que cobrem a guerra não se perguntam, quando encontram mulheres usando ainda a burca nas regiões 'libertadas': por que continuam a usá-la? Os repórteres não buscam no passado a explicação.
Apresentadores e comentaristas também não se perguntam. O fato mais ostensivo, a 'libertação', ocupa todas as preocupações. Quando os talibans (de grande maioria pashtum, ignorantes, iletrados, fundamentalistas) emergiram como conquistadores dentre as várias milícias armadas que derrotaram os russos no Afeganistão, impuseram esse hábito às mulheres do Norte, onde está Cabul. Estas, sim, foram agora libertadas da burca. As outras seguem seu costume, ao qual só renunciarão se a história torná-lo dispensável. É preciso saber que a cultura que gerou o Taliban continua seu ciclo."


***
Uma estudante da prestigiada Escola Normal Superior de Paris (ENS) foi visitar seu irmão na prisão, ele tinha participado de uma manifestação pela Palestina. Ela não pôde voltar para casa, sendo detida e presa imediatamente, sem ter tido qualquer relação com a manifestação. Graças à diretora da ENS, Monique Canto-Sperber, a aluna foi solta, dois dias depois.

***
Tenho preparado materiais didáticos interativos de francês. Aí tenho que pesquisar livros didáticos. Sempre me irrito na hora de ensinar descrição física. Não há nenhum negro representado, muito menos árabe. A única vez que vi um "bronzé" (bronzeado, mas também pode ser sinônimo pra moreno) era um surfista loiro, e a descrição era de um suspeito de um crime...


UPDATE
Minha caríssima Cyn respondeu com um texto muito bom, criticando o que eu disse aqui.

Concordo com ela em boa parte, discordo da nossa "tarefa civilizatória". Sou pelo método freiriano, antes de tudo: "Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão". É preciso um trabalho de educação, mesmo, pedagogia do oprimido na veia, e isso quer dizer comunhão, integração, que não é a mesma coisa que tornar todos iguais. Isso é impossível e etnocêntrico, como se tudo em nossa cultura fosse superior à deles. A diplomacia brasileira tem conseguido avançar, inclusive, pela abertura ao diálogo, e é assim que a gente se entende.

Pelo menos a Marjane, Chaddord Djavam, outra iraniana nacionalizada francesa, e Ayaan vieram de classe média, com um acesso maior à cultura em geral, enquanto boa parte do povo vive ainda na ignorância, na pobreza. Elas tiveram a oportunidade de mudar, de sair desse meio. Continuo discordando que uma lei vá solucionar isso.

E compará-las com membros da KKK é golpe baixo: eles escondem o rosto pra matar. 

4 comentários:

Cynthia Bonacossa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Fiz uma resposta mas coloquei no meu blog por que não coube aqui.

E o debate esquenta...

http://graoemgrao.wordpress.com

Anônimo disse...

Minhas caras,
Esta é fácil. Vamos contar uma histórinha:
F... é migrante muçulmana que vive em um subúrbio em Paris. Devido ao preconceito, é difícil arranjar emprego e ir morar em algum lugar que não seja onde esta mora. Isto explica a importância das redes de relações sociais entre migrantes facilmente observáveis em qualquer lugar. Entretanto, caso esta resolva usar roupas ocidentais (vamos botar um pouco de pimenta, não é mesmo? podemos trocar isto das roupas pela decisão de fazer ou não circuncisão feminina em sua filhinha), esta será repudiada nesta sociedade de migrantes e vai comer o pão que o diabo amassou (que tal, ser barbaramente agredida por algum grupo local que observa os bons costumes aos gritos de PROSTITUTA!!!! Claro, me esqueci que a polícia francesa é muito preocupada com a segurança dos migrantes nestes suburbios). Mais, isto pode ocorrer com ela caso ela diga para alguém que não deveria que gostaria de usar roupas ocidentais. Mas ela usa a burka porque quer, não é mesmo? Ela está na França, não é mesmo? Um estranho perguntou para ela na rua se ela gostava, e ela disse que sim. E isto é a prova, não é mesmo?
Vamos tomar cuidado com estes relativismos sociais. No final, parece ser moderno defender estas coisas, mas só se defende a barbaridade. E neste ponto, cabe sim a proibição total do uso da burka. Eventualmente é a única maneira que temos para proteger esta migrante pobre e totalmente desprovida de tudo.

MC disse...

Não volto mais nesse assunto, mas só uma pergunta ao anônimo: por que você se vela?