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sexta-feira, 14 de maio de 2010

Libertê, egalitê, fraternitê

Ontem assistimos a uma conferência sobre o laicismo francês. A historiadora e professora da Paris-Ouest Jocelyne Saint-Geours apresentou a cronologia, justamente, de como ocorreu a separação Estado e religião - leia-se igreja católica*, claro - e a atual preocupação francesa: a grande imigração de muçulmanos e sua resistência a algumas das regras de etiqueta.

A França de hoje compreende que, antes de tudo, seus cidadãos fazem parte da nação, antes de adorarem a qualquer deus que seja. Égalité. 


Esse princípio é o que determinou a interdição do porte de símbolos religiosos em sala de aula: todos devem ser iguais. Aliás, não há ensino religioso na escola, mas toda quarta-feira é livre para permitir aos pais de encaminhar seus filhos à fé que eles - os pais, diga-se de passagem - escolherem. E, como lembrou a professora, o porte de um símbolo religioso ostensivo feriria aquele princípio que diz que a minha liberdade termina na propriedade do outro, ops, onde começa a do outro. Liberté.

Assim, como exemplificou a professora, isso evitaria disputas entre alunos de religiões diferentes, reunindo todos sob as mesmas leis, língua, lógica nacionais. Fraternité.


No entanto, como sabemos muito bem, tirando o véu ainda se vê olhos, narizes, pele e etiqueta da roupa, os sapatos. Tirar o véu não esconde origem nem desnível social. Para algumas meninas, véu é até sinônimo de orgulho e lhe tiram para que elas sejam iguais às outras, que nunca serão iguais a elas.

Não faço de forma alguma defesa do véu, mas do direito de usá-lo. Muito menos do machismo desses françarabes. Já fui perseguida por uma rua inteira por dois meninotes, um me dizendo coisas horríveis - livrei-me deles encarando-os nos olhos e gritando bem alto para eles saírem de perto de mim: Chuis pas pute ! [não sou puta. Vale lembrar que era noite, reação automática e uma amiga tinha comentado como já afastara um homem no metrô, desse jeito]. Essas meninas portam também, muitas vezes, a cabeça baixa. Mas não é uma lei que vai mudar qualquer coisa. Elas continuarão vivendo nos quartiers sensibles, nas áreas problemáticas.

Uma proposta italiana foi a de organizar as turmas por quotas, mesclando de verdade os grupos. A diferença ainda existe, mas a convivência torna-se maior. Na França, a criança deve estudar na escola mais próxima de sua casa; sair de seu bairro, apenas no ensino médio, quando é possível escolher uma boa escola de acordo com seu boletim. Não há a possibilidade da existência de quotas: é proibido, por lei, realizar pesquisa em que se pergunte cor de pele ou origem étnica do indivíduo. Sabe-se, no entanto, que 1/4 dos franceses tem origem estrangeira.

Essa "minoria" não pode nem ser tratada de minoria, pois, na França, todos são iguais.

***

Enquanto isso, no nosso país laico, aprovou-se, enfim, o projeto do Ficha Limpa, ainda a ser votado no Senado.

A Malu deu a deixa no twitter: leia o que foi cortado nesse dia 12 de maio do decreto n. 7037, o tal que aprovou o Programa Nacional de Direitos Humanos (3).

(zut !, acabo de descobrir via google que ela é mulher do novo embaixador da França no Brasil. E eu a provoquei com uma pergunta que era mais ou menos o que escrevi acima... )


* Forço-me a escrever igreja em minúscula. Aprendi no catecismo e na escola que a católica deve ser sempre grande, assim como deus. Só há pouco tempo dei-me conta dessa grafia impregnada de teossofismos.





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