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segunda-feira, 25 de maio de 2009

Estética e Ideologia: uma leitura dos códigos visuais da juventude de direita (4)

Não vou colocar o que escrevi sobre os skins (de esquerda e de direita) nem sobre os galinhas verdes. Pulando logo pro cerne das confusões ideológicas.

MV-Brasil


Na maioria dos casos, se perguntarmos a alguém por que utiliza certas camisas com dizeres: “Resistir é preciso”, “Valorize a cultura nacional”, pode-se ouvir respostas como que a pessoa gosta de frases “politizadas”, sem sequer se dar conta a que grupo político esses dizeres se relacionam.
Criado por jovens para jovens, o Movimento pela Valorização da Cultura, do Idioma e das Riquezas do Brasil, ou apenas MV-Brasil, faz-se conhecer pouco a pouco através de seus cartazes espalhados nas grandes cidades brasileiras, internet e através de algumas manifestações que começam a aparecer inclusive na imprensa. Em busca de notícias sobre o grupo através do site da Folha de São Paulo, encontramos uma comentando sobre o barulho causado pelo grupo em manifestação em ato contra o terrorismo e a indicação do sítio do grupo (www.mv-brasil.org.br) como fonte de pesquisa sobre o significado das cores da bandeira nacional, o que já é bastante se considerarmos que o grupo se iniciou em novembro de 1999, enquanto encontra-se somente notícias sobre o passado do Movimento Integralista, por exemplo, criado e mantido desde 1930, como se fosse já um movimento finito.
Cena carioca: Cinelândia1, palco histórico de manifestações políticas, continua diariamente abrigando diferentes grupos, mesmo que sejam apenas pequenas panfletagens ou barracas vendendo camisas de grupos políticos ou “conscientes”. Lá se encontra a base de vendas do MV-Brasil. Passando por ali, uma jovem nos interpelou para entregar-nos um panfleto sobre uma ocupação que acontecia por ali, o “Quilombo das guerreiras”, apoiado por movimentos libertários. A dois passos, dois integrantes do MV desarmavam sua barraca. Perguntamos a eles sobre as vendas: “Como em todo comércio, tem dia que está bom, tem dia que está ruim...”.
Procurados, como nos disseram, por “jovens e adultos conscientes”, e sendo a grande maioria da faixa jovem, o MV-Brasil tem integrantes de múltiplas origens, tais como sindicatos e outros movimentos políticos (uma senhora que os aguardava usava a camisa com os dizeres “Resistir é preciso” e um botton do Brizola), e afirmam com veemência que sua principal bandeira é a “luta contra o capital internacional”.
O senhor que desfazia a barraca aproximou-se para comentar sobre as meninas do “Quilombo...”, comentando o absurdo de elas serem expulsas enquanto há tantos problemas a serem resolvidos, que a força policial deveria ser usada para outros combates. Ao perguntarmos se concordava com a ocupação, respondeu: “De que adianta? Esses vermelhinhos aí, ficam lutando contra o capitalismo mas com um Coca-Cola na mão [...] A revolução tem que ser contra o capital internacional....”
Esse movimento foi criado com o objetivo de frear o que chamam de imposição da cultura estado-unidense sobre a cultura brasileira, lembrando em seu manifesto ser um movimento direcionado contra esse país, dissertando sobre o esfacelamento de várias outras nações pela onde norte-americana. Dos grupos analisados, este é um que se faz realmente notar cada vez mais, sem se posicionar ideologicamente à direita ou à esquerda explicitamente. Fazem referência inclusive a Gandhi e à Revolução Cubana para exemplificar que não é um grupo chauvinista. Mas do manifesto às metas propostas, vemos a acentuação de seu radicalismo: acusavam no manifesto serem contra aos avanços dos Estados Unidos, em suas metas, propõem-se contra “culturas alienígenas”.
Todas as camisas possuem desenhos e frases simples, a mesma simplicidade das cores e do símbolo integralista. Mas mesmo com toda essa tendência de extremo nacionalismo, de inspiração e palavras de ordem similares às ideologias de direita, a repulsa xenofóbica à estrangeirismos lingüísticos, os próprios membros do movimento não se consideram como um grupo de direita. Lê-se no portal deles:

MV-Brasil, direita ou esquerda??? [sic]
O MV-Brasil entende que o conceito direita/esquerda foi criado para dividir e antagonizar as facções (criadas artificialmente) das mais diversas nações. Enquanto isso, os mercadores apátridas, fazem a festa em sua unidade destrutiva. Os patriotas do MV-Brasil perceberam que qualquer projeto político sério, prático e viável, tem que ter um cunho nacionalista e ser voltado, em primeira instância, para um programa de libertação do Brasil. O internacionalismo VERDADEIRO estará no segundo plano da história, quando a humanidade estiver mais evoluída. Quando o Brasil se libertar da maldade e da subversão dos banqueiros internacionais, este país criará um efeito dominó que poderá libertar o mundo dos tentáculos dos mercadores pagãos e apátridas que escravizam a humanidade. Por isso e por outras, SAUDAÇÕES BRASILEIRAS!2

Apesar dessa negação, a linguagem direta e simples das camisetas, cartazes e adesivos são bem similares à propaganda de antigos regimes totalitários que usavam as mesmas armas para impressionar as massas3.
Como alerta Guiberneau, há uma linha tênue que separa o nacionalismo como auto-afirmação e a xenofobia, sendo que ainda não é possível afirmar de que lado dessa linha se aproxima esse movimento.
O caráter controverso do nacionalismo origina-se de sua fraqueza como uma ideologia capaz de inspirar a ação política. O discurso nacionalista é empregado por minorias que procuram a autodeterminação e nações que querem desenvolver suas próprias culturas enquanto respeitam os direitos idênticos de seus grupos vizinhos. Mas o nacionalismo também é usado em associação com várias formas de discriminação que implicam a categorização de indivíduos que dependem de sua identidade nacional. Nesse contexto, o nacionalismo pode ser utilizado por aqueles que apresentam atitudes racistas, xenofóbicas e fascistas, envolvendo freqüentemente o uso de diversas formas de violência. (GUIBERNAU, p. 95).

Mesmo podendo encontrar manifestações do MV em atos notoriamente de esquerda, como o Fórum Social Mundial4, vemos a apropriação de ideologias de pensadores da esquerda (Frei Betto, Cristovam Buarque) para enfatizar a repulsa a qualquer influência estrangeira no mesmo sentido ufanista da extrema-direita e pode-se ler a frase mais popular, “Resistir é preciso” como análoga ao “Ame-o ou deixe-o” da propaganda militar da década de 1970.
Apesar do movimento não clamar pela agressividade, suas frases e desenhos são ríspidos, agressivos, apresentando uma tentativa de impostura de uma ideologia. Voltamos à definição barthesiana do fascismo, esse que “obriga dizer”; suas camisetas, ao exigir a exclusão do “outro”, mesmo opressor, não deixam de ser um combate de preconceito com preconceito. E a História nos mostra que não é tornando o oprimido opressor que se combate desigualdades.

Conclusão
Começamos esse texto acreditando nas essências das ideologias tal como descreveu Bobbio. No entanto, a proximidade das idéias e das atitudes incorporadas pelos jovens de direita e esquerda hoje pode nos indicar ou que não há diferenças nas suas práticas ou que está ocorrendo um deslocamento desses valores, como René Remond afirmou ser possível acontecer ao longo da História. Uma nova direita surge revestida de nacionalismo contraditoriamente libertário, pretensamente anti-ideologias esquerda/direita, mas ainda banhada das idéias românticas das direitas de 1930 e 1964. Ao mesmo tempo, vemos surgir uma extrema esquerda totalitária e conservadora, visto a proximidade com que certos grupos apresentam com as idéias nacionalistas e anti-reformistas. Ainda precisamos rever essa esquerda, com seu pólo se desgastando em práticas autoritárias, para encaminhar uma nova que deixe o caminho livre para uma democracia ainda por vir.
Nossa análise, mais do que revelar as ideologias de direita e seus códigos visuais, revela como a tendência a pertencer a um determinado movimento social perpassa sempre a chamada “cultura das aparências”, e como a necessidade de afirmação social inicia-se geralmente pelo guarda-roupa. A sedução pela força dos skinheads, das cores que clamam à pátria, e pelas frases nacionalistas, convocando todas a um ideal de uma pátria ou um povo forte, são facilmente assimilados pelos jovens em busca de reconhecimento como parte de um todo, fazer frente à multidão fazendo número.
Inclusive essa contradição das opiniões nos ajuda a mostrar como essas confusões de guarda-roupa são uma grande imagem – perfeita metáfora – das confusões de direções políticas na atualidade.


***
Esse texto foi escrito em 2004/5, com pretensão de estudo. Os extremos totalizantes continuam por aí, mesmo que de moda nova. Mas o que acredito que seja pior, é uma total ausência de comprometimento ideológico. Não importa se à esquerda ou se à direita, o engajamento é muito mais superficial e festivo...

2 comentários:

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