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segunda-feira, 24 de maio de 2010

capítulo III

Há dois anos, já, combinei com DVD de escrever um romance. Cada um escreveria um capítulo. Escrevi o terceiro, ele me deve o quarto até hoje. Um dia, quem sabe, continuamos. Por enquanto, mostro o terceiro.


Capítulo III

"Bom dia". "Boa tarde!".
Gente estúpida que corrige saudação. Pra ele ainda era manhã, ora bolas, e esse acordar esquisito perturbava mais ainda sua noção das horas. O cachorro fedia. Não cheirava tão mal assim, mas odor canino era insuportável às suas narinas. O casal e o cachorro – o casal sorridente que sorria para o cachorro arfando e mostrando os dentes para os donos – pareciam mais estúpidos para ele a cada andar. Sorte deles que eram apenas oito, pensou. No térreo, já tinha se esquecido porque descera. Andou dez metros, parou, fez meia volta, sentiu fome, achou melhor retomar o rumo da rua, sentou no primeiro bar aberto e pediu logo o peixe, o arroz, o purê, como indicava o menu do dia. E uma cerveja, mesmo não sendo do seu costume.
Olhava a mesa, as pessoas, a rua, não sabia por onde começar a pensar. Ou a comida ou o álcool o ajudariam a ver as coisas com mais clareza. Talvez.
Tentava ler, de longe, as manchetes dos jornais. Já tinha se esquecido do que lera pela manhã, já tinha se esquecido que lera pela manhã. Estava tudo meio confuso. Sonhava, ainda?
"Tio, me dá um trocado pra interar pro almoço?". A voz baixa e submissa, naquele tom monotonamente dramático o trouxe de volta para o real da mesa, para o bar, e o trouxe irritado. "Tô sem dinheiro". O menino saiu e ele chamou o garçom: "Porra, não dá pra comer em paz, aqui?"; perguntou, abrindo os braços para o alto, as mãos fechadas se abriram assim que ele terminou a frase, expressivo, deixando os braços voltarem a pôr as mãos sobre a mesa, sem impedir um leve barulho ao bater a direita sobre a mesa, austera. "Desculpa, patrão, o segurança daqui ainda não chegou". A mesa do bar era sobre a calçada. As pessoas passavam entre os clientes com compras e crianças histéricas; um ou outro vendedor e alguns meninos paravam entre as mesas exibindo algum objeto inútil ou as mãos sujas. "Essa rua está cada vez pior, num domingo e ainda tem essa gente por aqui...", ele falava consigo, mas em tom para que os outros ouvissem. Procurava um ou outro olhar de aprovação entre os clientes. Encontrou poucos pares atentos, a maioria estava em casais, em grupos, conversavam. O garçom trazia os pratos e concordava. "Pois é, e é difícil pra gente fazer alguma coisa..." o assunto de todos os dias, crises, impotências, e o mundo que só piora o distraíam da estranheza daquele dia.
A cerveja desceu empurrando a comida. Estava com muita fome, a essa hora. Os olhos fixos em algum ponto entre a mesa mais próxima e a sua, tentava lembrar-se dos fatos, alguma coisa que ela teria dito. Jô não falava muito. Repassava a última semana na tela que formou, no espaço em frente, enquanto levava à boca o namorado frito, as batatas amassadas misturadas ao arroz. Era ela que aparecia na sua casa, desde que haviam se conhecido. Como chegara a esse ponto ele já nem sabia mais. Não tinha se passado tanto tempo. Um mês, mais uma semana, achava. Mas era tão profundo, já tinha se acostumado com isso. Por isso uma extrema falta, esse domingo.
"Mais uma cerveja, patrão?" O filme que passava em frente à sua mesa o deixara ausente. Mais uma voz o perturbando, mas dessa vez, agradeceu ao garçom. "Pode trazer, chefe".
A comida e a cerveja ajudavam, realmente. Estava também mais contente, com as boas lembranças. Teve a excelente idéia de buscar o endereço do hotel dela, passar lá mais tarde, ela pode ter tido algum problema. E só. Antes, precisava terminar esse prato, tomar um banho de verdade. O cheiro da rua e daquele cachorro, pareciam transformar-se em crosta sobre sua pele, como se pegasse ao contato do ligeiro suor provocado pelos trinta e cinco graus daquela sombra, e da comida quente, e da cerveja que fazia efeito. Tinha nojo do seu cheiro que nem se fazia sentir e da comida entre os dentes. Queria estar agradável às narinas da Jô, que lhe agradeceria com aquele seu leve fechar e abrir das pálpebras tão delicado.
Pediu a conta, pagou e voltou para casa, mais alegre, agora.

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